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DEUS CONTROLA TODAS AS COISAS: "Lembra-te do dia de sábado, para o santificar."

Por Peter Goeman
Professor de Hebraico e Antigo Testamento (Shepherds Theological Seminary)
Publicado em 16 de março de 2020

O quarto mandamento é objeto de muitos debates acirrados. Os que defendem que os Dez Mandamentos permanecem sendo o padrão da lei moral de Deus encontram dificuldades para explicar como esse quarto mandamento se encaixa no sistema, já que a ordem de guardar o sábado não possui uma natureza moral intrínseca. Precisamos lembrar de que os Dez Mandamentos não são um padrão moral, mas aplicações específicas dos princípios embutidos na criação.

Uma das claras evidências de que esse mandamento não é inerentemente algo moral se encontra numa comparação entre Êxodo e Deuteronômio. As duas passagens descrevem o mandamento de formas diferentes:

8Lembra-te do dia de sábado, para o santificar. 9Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra. 10Mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR, teu Deus; não farás nenhum trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o forasteiro das tuas portas para dentro; 11porque, em seis dias, fez o SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou; por isso, o SENHOR abençoou o dia de sábado e o santificou (Êxodo 20.8–11).

12Guarda o dia de sábado, para o santificar, como te ordenou o SENHOR, teu Deus. 13Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra. 14Mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR, teu Deus; não farás nenhum trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu boi, nem o teu jumento, nem animal algum teu, nem o estrangeiro das tuas portas para dentro, para que o teu servo e a tua serva descansem como tu; 15porque te lembrarás que foste servo na terra do Egito e que o SENHOR, teu Deus, te tirou dali com mão poderosa e braço estendido; pelo que o SENHOR, teu Deus, te ordenou que guardasses o dia de sábado (Deuteronômio 5.12–15).

A diferença se encontra no uso dos imperativos. No caso de Êxodo 20, o verbo hebraico empregado é zakar, traduzido como lembra-te, o qual denota mais do que o simples ato de recordar. Esse ato de lembrar impulsiona o indivíduo a agir. Por outro lado, em Deuteronômio, o verbo hebraico é shamar, traduzido como guarda.

Por que as duas passagens são diferentes? Um motivo é que Êxodo 20 é a instituição original dos Dez Mandamentos, escrita no Monte Sinai e que consumou o papel e o propósito da nação de Israel. Dessa forma, Êxodo enfatiza a realidade teológica por trás do mandamento usando termos fundamentais. Já Deuteronômio 5 foi escrito aproximadamente 40 anos depois, quando Israel se encontrava nas planícies de Moabe e pronto para tomar posse da Terra Prometida. Assim, a ênfase em Deuteronômio 5 está na forma como Israel deveria proceder dentro da Terra Prometida, focando em sua aplicação ao ato de herdar a terra e exemplificar o caráter de Deus diante das nações. Isso é comprovado também pelo fato de Deuteronômio 5 mencionar que servos, bois, jumentos, gado e estrangeiros também devem cumprir o mandamento, um detalhe que não se encontra em Êxodo 20. Em Deuteronômio 5, já que Israel estava prestes a se estabelecer em Canaã, os israelitas precisavam entender as implicações por completo de sua obediência.

A motivação por trás de Êxodo é ligeiramente diferente daquela por trás de Deuteronômio, porém as duas estão relacionadas. Êxodo destaca o papel de Deus na criação como motivação para o israelita se lembrar do sábado; Deuteronômio enfatiza a redenção efetuada por Deus. Redenção é uma espécie de nova criação. Quando Israel foi libertado do Egito, a nação foi redimida da escravidão e recebeu uma nova oportunidade de vida como um povo.

Dessa feita, a razão por que Israel deveria guardar o sábado era para demonstrar que Deus, como Criador e Redentor, tinha o direito de ditar como um indivíduo deveria operar dentro do mundo criado. Ao guardar um dia de descanso por semana, Israel anunciava às nações que se submetia ao controle de Deus sobre tudo quanto possuía. E a propósito, essa prática de guardar o sábado não tem paralelo algum em outros povos do Oriente Próximo. Essa era uma declaração singular de Israel às nações ao seu redor.

O quarto mandamento possui aplicações para nós hoje. Para começar, ainda reconhecemos que, como o Criador, Deus tem o direito de ditar como devemos operar dentro de sua criação. É por esse motivo que o mandamento acerca do sábado se encontra entre os três primeiros e os seis últimos—ele serve de ponte para entender por que devemos seguir os mandamentos 5 a 10. Porque Deus é singular e o único Deus criador do mundo (1–3), ele nos diz como viver (5–10).

Por virtude de a Lei do Antigo Testamento ter caducado, não temos a obrigação de celebrar o fato de Deus ser nosso soberano ao observar um dia em especial (conf. Romanos 14.5–6). Todavia, temos a obrigação de refletir essa realidade pela forma como vivemos. Se vivemos com a mentalidade de que “posso fazer o que quero porque sou livre em Cristo”, perdemos de vista o ensino bíblico. Deus ainda é o Criador e nossa obrigação é nos submeter àquilo que o agrada. Nosso tempo, dinheiro e esforço devem ser empregados para revelar nossa submissão a Deus diante do mundo que nos observa.

Alguns tentam argumentar que o domingo é no Novo Testamento o que o sábado foi no Antigo Testamento. Essa tentativa é sem fundamento. O mandamento servia para a nação de Israel demonstrar que Deus controlava o tempo dos israelitas. Tempo é o recurso mais valioso. Se Deus controlasse o tempo dos israelitas, ele também controlaria seu dinheiro e tudo mais. Não aplicamos esse princípio da criação hoje da mesma forma como Israel o aplicava. Entretanto, Deus ainda é nosso Criador e Redentor. Portanto, ainda nos submetemos a tudo quando ele nos manda fazer em sua Palavra, e em todas as coisas buscamos fazer aquilo que o agrada (conf. Romanos 14.7–8).

 

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