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A FUNÇÃO DA LEI DO ANTIGO TESTAMENTO

Por Peter Goeman
Professor de Hebraico e Antigo Testamento (Shepherds Theological Seminary)
Publicado em 10 de novembro de 2019

Em nosso artigo anterior, vimos como o crente não está mais sujeito ao sistema da Lei do Antigo Testamento em sua plenitude. Ou seja, não temos obrigação de observar a Lei. Isso levanta vários questionamentos. Por exemplo: Se esse é o caso, então como Paulo pôde afirmar em 2 Timóteo 3.16 que toda Escritura é útil para nós hoje? Além disso, por que o apóstolo citou mandamentos do Antigo Testamento para validar seus argumentos no Novo Testamento? Isso nos conduz ao tópico da presente discussão—a função da Lei.

Apesar de a Lei estar obsoleta e não mais regimentar a vida do crente, existe o aspecto da aplicação da Lei. Todavia, a fim de aplicarmos a Lei de forma apropriada hoje, primeiramente é necessário entendermos o propósito da Lei e como ela operava. É importante destacarmos algumas questões essenciais para um melhor entendimento do assunto.

Primeiro, A Lei Jamais Serviu como Um Meio de Salvação

John Feinberg escreveu um artigo excelente anos atrás desmascarando esse mito. Não existe base alguma para afirmar que, no Antigo Testamento, Israel foi salvo por observar a lei e o crente do Novo Testamento é salvo pela graça. Essa dicotomia é radicalmente antitética ao argumento de Paulo em Romanos 4 sobre Abraão, o primeiro judeu, o qual foi salvo pela fé antes das obras.

Ademais, a Lei não foi projetada para alcançar salvação. Alguns defendem que Jesus Cristo teve que cumprir a Lei de Moisés perfeitamente a fim de imputar sua perfeição aos redimidos. Uma vez que somos incapazes de alcançar a justiça por meio da Lei, muitos dizem, Jesus Cristo teve que alcança-la em nosso lugar e a imputar em nossa conta. Como crente, reconheço a doutrina da imputação da justiça de Cristo. Todavia, a Lei de Moisés não é, inerentemente, a base para a salvação. Não havia necessidade de Cristo obedecer à Lei para que pudesse nos redimir.

A Lei Não É Exaustiva, Mas Reguladora

Isso significa que nem todas as leis que governavam a nação de Israel foram incluídas nas Escrituras. Por exemplo, apesar de a situação de Rute ser bastante parecida com a Lei do Levirato (cf. Deuteronômio 25), as diferenças são significantes o suficiente para percebermos que existe outra coisa em questão. A situação de Rute em particular não é abordada pela Lei de Moisés. No entanto, Noemi e Boaz sabiam, por meio do estudo da Lei, como deveriam agir naquela situação. Os anciãos também aprovaram a resolução.

O objetivo da Lei nunca foi tratar de toda situação possível; ela servia de alicerce para a maneira como os israelitas deveriam pensar sobre o mundo no qual viviam. A Lei lhes forneceu o fundamento sobre como enxergar questões como justiça, misericórdia e amor. Uma ilustração excelente disso surge quando entendemos a Lei como a Constituição de um país: ela não serve para abordar toda situação possível, mas fornece diretrizes e os elementos básicos que devem estar presentes numa dada sociedade.

A Lei Foi Uma Aplicação de Princípios da Criação

Este talvez seja o princípio mais importante para entender nossos futuros artigos: A Lei foi dada a Israel para que o povo vivesse na prática e diante das outras nações as verdades da criação. Isso significa que até mesmo os Dez Mandamentos eram aplicações específicas de princípios da criação. É essencial notar que os Dez Mandamentos são, em sua estrutura (tanto em Êxodo como em Deuteronômio), mandamentos gerais que servem como base para os mandamentos específicos. Pense nisso como uma progressão. Os princípios da criação conduzem a princípios abrangentes, os quais conduzem a aplicações desses princípios gerais:

                                             Gênesis 1–3    →    Dez Mandamentos    →    Mandamentos Específicos

Um exemplo simples que revela essa realidade é o quarto mandamento—a guarda do sábado. Êxodo 20.11 afirma que Israel tem a obrigação de lembrar do dia de sábado por causa do padrão de Deus na criação (cf. Gênesis 2.2). Uma aplicação mais ampla desse mandamento se expressa no Ano Sabático (Deuteronômio 15). Está evidente com base na estrutura e no contexto que o Ano Sabático é uma aplicação específica do princípio geral estipulado pelo quarto mandamento. Uma dinâmica semelhante é vista envolvendo outros mandamentos também. Por exemplo, o primeiro mandamento está ligado ao fato de Deus ser a única causa da criação (Gênesis 1); portanto, somente ele deve ser adorado. Esse mandamento, por sua vez, recebe aplicação de diversas maneiras (Deuteronômio 12).

Em nossos próximos artigos, tentaremos explorar o que cada um dos Dez Mandamentos aborda e como cada um deles se relaciona a princípios da criação encontrados em Gênesis 1–3. Entretanto, mais um artigo é necessário antes de mergulharmos nesse assunto. Na próxima postagem, veremos como o crente deve aplicar a Lei à luz do terceiro princípio mencionado acima, a saber, que a Lei é uma aplicação dos princípios da criação.

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