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O RELACIONAMENTO DO CRENTE COM A LEI DO ANTIGO TESTAMENTO

Por Peter Goeman
Professor de Hebraico e Antigo Testamento (Shepherds Theological Seminary)
Publicado em 20 de outubro de 2019

Começamos hoje uma série rápida sobre a Lei de Moisés. Mais especificamente, quero chamar sua atenção para os Dez Mandamentos. Contudo, antes disso temos que lançar um alicerce para essa discussão. A princípio, o que precisamos entender é que existem diversas opiniões quando o assunto é a maneira de interpretar as porções do Antigo Testamento que lidam com a Lei; isto é, os livros de Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Hoje, veremos a questão de o crente estar ou não debaixo da Lei. No próximo artigo, abordaremos a questão da natureza e da aplicabilidade da Lei.

Quando o assunto é o relacionamento do crente com a Lei de Moisés, existem pelo menos três perspectivas comuns.

Primeiro, O Crente Ainda Está Sujeito à Lei Hoje

Conforme essa teoria, o crente ainda é obrigado a obedecer a muitos elementos da Lei de Moisés nos dias de hoje. Creio que um caso que li serve de boa ilustração para isso. Uma mulher passou um ano inteiro seguindo (ou pelo menos tentando seguir) todas as leis da Bíblia. Suponho, porém, que ela não conseguiu perfeitamente.

Apesar de os proponentes dessa teoria divergirem nos pormenores, o argumento central é que a Lei deve ser implementada na sociedade secular para ajudar a governa-la. Leis no tocante a adultério, roubo e honra aos pais devem ser observadas e aplicadas rigorosamente. Poucos indivíduos defendem isso. Com maior frequência, as pessoas não querem propor que seus filhos devem ser mortos por desrespeitarem seus pais (apesar de que alguns pais defenderiam isso) ou que crentes devem celebrar a Festa dos Tabernáculos.

O apóstolo Paulo escreveu em Gálatas 5.18 que a Lei não tem mais obrigação sobre o crente:

Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais sob a lei.

Segundo, A Lei Está Dividia em Três Partes: A Civil, A Cerimonial e A Moral. Somente A Parte Moral Carrega Obrigações Hoje

Essa perspectiva tem permanecido bastante popular no decorrer da história da igreja. As leis civis são aquelas que dizem respeito à sociedade e ao governo. As leis cerimoniais são aquelas que tratam das questões envolvendo o sacerdócio e os sacrifícios. Já as leis morais, conforme prega essa teoria, apresentam imperativos universais que são inerentemente corretos ou errados. Dessa forma, uma vez que seu escopo é universal, os crentes hoje estão obrigados a cumpri-las. Geralmente, os Dez Mandamentos são categorizados como pertencendo às leis morais, enquanto as outras leis são divididas entre as outras categorias (civil ou cerimonial).

Embora essa perspectiva seja bastante popular, ela apresenta deficiências. Primeiramente, tanto o Antigo como o Novo Testamento enxerga a Lei como uma unidade (cf. Salmo 1.2; 119.1; Gálatas 5.3). Além disso, nos próprios Dez Mandamentos existe pelo menos uma lei que não possui características morais e, portanto, não se encaixa na categoria de leis morais. Trata-se do quarto mandamento: Lembra-te do dia de sábado, para o santificar (Êxodo 20.8). Esse fato é confirmado pelo Novo Testamento: de todos os Dez Mandamentos, somente este quarto não é repetido como obrigatório ao crente de hoje. Dessa maneira, assim como fazem o Antigo e o Novo Testamento, devemos enxergar a Lei como uma unidade ao invés de tentar criar para ela subdivisões externas.

Terceiro, Nenhuma Lei Traz Obrigações para O Crente Hoje

Esta última opção sustenta que o sistema da Lei está fora de operação. Isso significa que os Dez Mandamentos descritos em Êxodo 20 e Deuteronômio 5 não se aplicam ao crente hoje assim como as leis que lidam com animais puros e impuros não se aplicam mais. Se a Lei deve ser compreendida como uma unidade que não deve ser compartimentalizada (conforme afirmado no ponto 2 acima), então a consequência lógica disso é a seguinte expressada por Paulo em Romanos 6.14:

Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça.

Precisamente porque não estamos mais debaixo da lei não estamos obrigados a observá-la. Mais adiante em Romanos 13.10, Paulo afirma que o cumprimento da lei é o amor. Para Paulo, a questão parece bem clara: as exigências da Lei não são mais obrigações que o crente deve obedecer; nós cumprimos a Lei quando amamos uns aos outros.

Das três perspectivas delineadas brevemente acima, a terceira é a mais consistente com o ensino das Escrituras. À luz da nova aliança do Novo Testamento, a lei mosaica não possui mais autoridade que sujeite o crente a ela. Conforme lemos em Hebreus 8.13 sobre a antiga e a nova aliança:

Quando ele diz Nova, torna antiquada a primeira.
Ora, aquilo que se torna antiquado e envelhecido está prestes a desaparecer.

Agora, essa conclusão suscita mais perguntas. Uma delas diz respeito à forma como o crente dever ler as passagens sobre a Lei no Antigo Testamento. Além disso, podemos perguntar: Será que o Antigo Testamento é inferior ao Novo? Devemos, porventura, pular os livros de Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio em nossa leitura bíblica porque não se aplicam a nós hoje? E como podemos conciliar isso com 2 Timóteo 3.16, o qual afirma que toda Escritura é útil para o crente? Como, exatamente, o crente pode se beneficiar da Lei de Moisés? Essas são perguntas válidas e tentaremos lidar com elas no próximo artigo.

 

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